O Direito à Exaustão: Escutar Quem Adoeceu de Tanto Servir
- Lucas Rezende
- 22 de jul.
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de ago.

Tem dias em que tudo o que chega ao meu trabalho é cansaço. Não o meu, e sim o das pessoas. Gente que chega quieta, às vezes envergonhada, carregando no corpo um esgotamento que exame nenhum traduz. Os ombros pesam. A fala falha. Os olhos hesitam. Trabalharam por anos e agora, com um diagnóstico de câncer, por exemplo, são chamadas a provar que estão doentes. Como se a dor precisasse se justificar.
E me pergunto: que justiça é essa que exige que o sofrimento se explique?
Atuo num lugar onde o direito raramente olha com atenção. Nas bordas do Direito Previdenciário, onde vidas inteiras cabem em códigos e laudos, e ainda assim passam despercebidas. Lido com histórias que quase nunca entram nos autos. A auxiliar de serviços que perdeu os movimentos do braço. O entregador que já não consegue subir na moto. A cuidadora que amparou tanta gente, mas não encontra quem a ampare. Casos em que o sofrimento é tratado como detalhe. Onde o rito é mais importante do que a vida.
Mas há quem nos ajude a resistir a esse tipo de esvaziamento.
António Castanheira Neves ensina que o direito não é um jogo de encaixe entre fato e norma. É um problema. Um problema que exige decisão. E decidir, para ele, é responder. Não mecanicamente, mas com responsabilidade. Com o peso de saber que há uma pessoa diante de nós. Para isso propõe o Jurisprudencialismo.
Martha Nussbaum vai por um caminho parecido, mas com outra linguagem. Ela fala da imaginação. Diz que precisamos da literatura pra sermos justos. Que ler Dickens, por exemplo, ajuda a sentir o que sente alguém que nunca fomos. Que a dor de Hécuba, nas Troianas de Eurípides, ou de um personagem humilhado em Grandes Esperanças, diz mais sobre justiça do que muitos manuais. E eu acredito nisso. Acredito que quem não lê, quem não escuta, julga pela metade.
E Simone Weil, com a precisão de quem sentiu o mundo de dentro via exercício do trabalho precarizado, escreveu que a justiça começa pela atenção. Que escutar com presença e entrega é o gesto mais radical contra a desumanização. Weil não dizia que devemos agir de imediato, mas que ver o outro em sua dor, sem dominar, sem apressar, já é justiça em estado puro.
É por isso que escrevo.
Porque acho que o direito ainda pode ser cuidado. Pode ser abrigo. Pode deixar de empurrar quem já foi empurrado demais. Mas pra isso, precisa reaprender a ver. A sentir. A se responsabilizar. Precisa parar de se proteger atrás do protocolo e se perguntar: o que esse corpo pede? O que essa história nos exige?
Entre a letra da lei e a vida que pulsa, sigo tentando encontrar um caminho. Uma justiça que reconheça não só o vínculo formal, mas o humano. Que não adoeça junto com o sistema. E que se levante ao lado de quem adoeceu de tanto servir.
© 2025 - Lucas Rezende, Advogado. Salvador/BA. Todos os direitos reservados.
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