Do Chão da Fábrica ao Tribunal: Como Surge o Dano Existencial
- Lucas Rezende
- 26 de set.
- 2 min de leitura

Um trabalhador de supermercado no Paraná relatou que ficou 9 (nove) meses sem uma única folga semanal, cumprindo jornadas de mais de 14 (quatorze) horas diárias. Outro, em Minas Gerais, era obrigado a trabalhar quase o mês inteiro sem descanso, recebendo a escala apenas na véspera, o que lhe tirava qualquer chance de planejar a vida pessoal.
Casos como esses têm se multiplicado nos tribunais, trazendo à tona um conceito que vai além do dano moral: o dano existencial.
Diferente do abalo psíquico ou da dor subjetiva, o dano existencial é o roubo da vida cotidiana do trabalhador. É quando a rotina exaustiva ou um acidente o impede de conviver com a família, praticar esportes, estudar ou simplesmente descansar.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em agosto de 2025, reconheceu esse tipo de violação em um caso contra a JBS, em que caminhoneiros eram submetidos a jornadas de até 21 (vinte e uma) horas por dia. O Tribunal foi categórico: não é preciso prova adicional para enxergar que jornadas tão desumanas destroem o direito a uma existência digna.
Embora os tribunais tenham oscilado, exigindo muitas vezes provas específicas de prejuízo concreto, cresce o entendimento de que há situações em que o dano é evidente por si só.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, ao afastar o tabelamento rígido de indenizações na CLT, reforçou que cada caso exige reparação integral, sob pena de reduzir a justiça a números frios.
A doutrina acompanha esse movimento. Teresa Ancona Lopez e Elaine Rodrigues defendem que o dano existencial tem autonomia: ele não se limita ao sofrimento íntimo, mas atinge os projetos de vida. Sebastião Geraldo de Oliveira, referência em acidentes de trabalho, lembra que é preciso enxergar além da incapacidade laborativa: a perda está também no convívio social, no lazer, naquilo que dá sentido à vida.
O Direito se constrói na prática, na resposta do juiz ao caso concreto, orientado pela dignidade da pessoa humana. É justamente esse raciocínio que vem moldando o reconhecimento do dano existencial.
O desafio, contudo, continua. Como provar a perda de um projeto de vida? Como mensurar em dinheiro o convívio roubado ou o futuro frustrado?
Advogados e magistrados enfrentam diariamente esse dilema. Entre provas testemunhais, laudos médicos e até relatórios psicológicos, há a intensa tentativa de traduzir em linguagem jurídica o que é essencialmente humano.
O que está em jogo, no fim, é a reafirmação de um princípio simples: trabalhar não pode custar a vida. Afinal, a dor do acidente de trabalho é comparada a da tentativa de homicídio, conforme afirma a jurisprudência (é muito pesado).
E é justamente esse vazio que o dano existencial busca preencher com justiça; e com o resgate dos sonhos por dias melhores.
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