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Da Tela à Sentença: Os Retirantes de Portinari e o Dano Moral Previdenciário

  • Foto do escritor: Lucas Rezende
    Lucas Rezende
  • 18 de set.
  • 2 min de leitura
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Em 1944, Candido Portinari pintou Os Retirantes e em sua tela, há a mostra de uma família migrante, marcada pela miséria, caminhando pela terra árida com olhos vazios e corpos frágeis. O quadro retrata a perda da própria humanidade diante da ausência de futuro. O que Portinari expressou em tintas traduz o mesmo fenômeno que hoje se repete em filas e processos previdenciários.

 

Nesse espaço, entre a promessa constitucional e a falha administrativa, surge o dano moral previdenciário.

 

A doutrina, com pioneiros como Wladimir Novaes Martinez, Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador, demonstra que não se trata de mero acréscimo indenizatório, porém de uma resposta civilizatória: reparar o sofrimento causado quando o Estado abandona.

 

A Constituição de 1988 fornece o alicerce normativo: a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III); o direito à indenização por dano moral (art. 5º, X); a previdência social como direito fundamental (art. 6º); a responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º); e a seguridade como conjunto integrado de ações para garantir saúde, previdência e assistência (art. 194).

 

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) tem decisões paradigmáticas nesse sentido: condenou o INSS quando aposentadorias foram cessadas por erro em sistema de óbitos, quando documentos foram extraviados e benefícios suspensos, ou quando segurados idosos ficaram sem renda devido a cancelamentos indevidos. Em todas essas situações, a corte enfatizou que benefícios previdenciários são verbas de natureza alimentar, essenciais à sobrevivência.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora mais restritivo, reconhece a reparação sempre que o erro administrativo transcende o aceitável e expõe o segurado à vulnerabilidade extrema.

 

A questão central está em distinguir o aborrecimento burocrático da violação existencial. A resposta não é simples; entretanto, na sensibilidade constitucional: sempre que a falha administrativa coloca em risco a subsistência do segurado, há ofensa.

 

O dano moral previdenciário cumpre dupla função: compensa o sofrimento de quem foi privado de renda vital, ainda que de modo imperfeito; ao mesmo tempo, possui caráter pedagógico, lembrando à Administração que a sua ineficiência tem custo social insuportável.

 

A reparação não mercantiliza a dor; contudo, reafirma que cada segurado é sujeito de direitos, não um número perdido em sistemas digitais.

 

O Direito não apaga as marcas da fome nem devolve os anos perdidos; pode, todavia, reconhecer o erro, assumir a responsabilidade e oferecer reparação.

 

Se ainda há resistência em admitir o dano moral previdenciário, é porque ele desnuda uma verdade incômoda: quando o Estado falha, não produz apenas processos e sim pessoas condenadas a morrer um pouco por dia na fila de espera.

 

Imagem: Os Retirantes, disponível no sítio eletrônico do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

 

© 2025 - Lucas Rezende, Advogado. Salvador/BA. Todos os direitos reservados.

 
 
 

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