top of page

Exceção de Pré-Executividade em Execução Fiscal - Teses de Extinção

  • Foto do escritor: Lucas Rezende
    Lucas Rezende
  • 18 de nov.
  • 17 min de leitura
Figura: "A Torre de Babel" (1563), de Pieter Bruegel, simbolizando a complexidade e a ambição de construções jurídicas precárias.
Figura: "A Torre de Babel" (1563), de Pieter Bruegel, simbolizando a complexidade e a ambição de construções jurídicas precárias.

Introdução

A defesa em uma execução fiscal pode se deparar com um verdadeiro labirinto de questões jurídicas, cujas soluções são essenciais para evitar penhoras indevidas ou a manutenção de cobranças inviáveis. Veja-se como exemplo: um município ajuizou execução fiscal, mas o executado apresentou uma Exceção de Pré-Executividade levantando múltiplas teses jurídicas de ordem pública, cada qual capaz de extinguir o feito.

Tais teses abrangem desde questões processuais até matérias de direito tributário material, exigindo do operador do direito um entendimento técnico apurado.

Para ilustrar a complexidade e a grandiosidade desse embate jurídico, podemos recorrer à arte: assim como na pintura “A Torre de Babel” de Pieter Bruegel (1563), que representa uma construção ambiciosa porém repleta de falhas estruturais, a execução fiscal viciada ergue um edifício jurídico instável destinado a ruir diante de fundamentos bem embasados.

A seguir, explicamos cada possível tese que pode ser trazida em uma execução fiscal, à luz da legislação e da jurisprudência nacional, proporcionando à comunidade jurídica uma visão completa de como essas teses podem ser utilizadas para invalidar ou extinguir uma execução fiscal.

Gratuidade de Justiça para Pessoa Jurídica

A primeira questão diz respeito à possibilidade de concessão dos benefícios da justiça gratuita a uma pessoa jurídica. Em regra, a assistência judiciária gratuita pode ser pleiteada por pessoas jurídicas, desde que comprovem insuficiência de recursos financeiros. Essa orientação foi consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 481, cujo enunciado dispõe: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.”. Em outras palavras, não há impedimento absoluto para pessoas jurídicas, inclusive empresas, obterem gratuidade, mas recai sobre elas o ônus de provar a dificuldade financeira (por exemplo, mediante balanços negativos, endividamento, etc.).

Em síntese, a concessão de justiça gratuita a pessoas jurídicas é excepcional, mas possível. No contexto de execuções fiscais municipais, muitas vezes pequenas e médias empresas enfrentam cobranças que, somadas a juros e multas, alcançam valores altos; nesses casos, a gratuidade judiciária pode ser fundamental para viabilizar sua defesa sem colapsar financeiramente a empresa. Uma vez deferido o benefício, a empresa poderá discutir as teses jurídicas seguintes sem o peso das custas, garantindo-lhe acesso efetivo à Justiça.

Prescrição e Prescrição Intercorrente

A prescrição tributária é regulada pelo artigo 174 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”[1]. Em termos práticos, isso significa que, uma vez lançado definitivamente o crédito (seja pelo decurso do prazo de defesa administrativa em caso de tributo lançado de ofício, seja pela confissão na entrega da declaração em tributo de lançamento por homologação), o Fisco tem cinco anos para propor a execução fiscal. Caso deixe transcorrer esse prazo sem ajuizar a ação, ocorrerá a prescrição extintiva do crédito tributário, impedindo sua cobrança judicial.

Em uma exceção de pré-executividade, pode-se alegar que o crédito tributário pode estar fulminado pela prescrição quinquenal, seja porque a dívida ativa foi inscrita tardiamente, seja porque a execução foi ajuizada além do quinquênio legal. Para avaliar essa alegação, é preciso verificar a linha do tempo: data do fato gerador, data da constituição definitiva (lançamento) e data do ajuizamento da execução. Por exemplo, se a prefeitura (em um caso hipotético) lançou o crédito em 2015 e somente em 2022 propôs a execução fiscal, ultrapassando cinco anos da constituição, a ação estaria prescrita, impondo sua extinção (CTN, art. 156, V). Importante destacar que a constituição definitiva, nos tributos lançados de ofício (como taxas e IPTU), dá-se com a notificação regular do lançamento; já nos tributos lançados por homologação (como ISS e ICMS, em certas hipóteses), a constituição ocorre pela declaração do contribuinte ou, na falta desta, pela notificação do auto de infração. As regras de contagem do prazo decadencial e prescricional variam conforme a espécie do tributo: o CTN prevê 5 anos tanto para a decadência (art. 173, I, ou art. 150, §4º) quanto para a prescrição (art. 174)[2], o que pode gerar situações complexas, por exemplo, tributos sujeitos a lançamento por homologação não declarados prescrevem contando-se 5 anos do início do exercício seguinte ao do fato gerador, nos termos da Súmula 555 do STJ[3]. Em suma, identificar corretamente datas e marcos de constituição é crucial para aplicar a tese prescricional.

Além da prescrição comum (inicial), a defesa pode ventilar, na exceção de pré-executividade, a ocorrência de prescrição intercorrente, ou seja, aquela que se dá no curso da execução, em razão de paralisação do processo por longos períodos sem impulsionamento útil. A Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980), em seu art. 40, §2º, prevê que, se a execução ficar suspensa por falta de bens penhoráveis por mais de 1 ano, começa a fluir o prazo prescricional quinquenal intercorrente. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 314 do STJ: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.”. Portanto, caso a execução fiscal tenha ficado arquivada sem movimentação, por exemplo, porque o devedor não foi citado ou não foram encontrados bens, por período superior a 5 + 1 anos, opera-se a prescrição intercorrente automaticamente, independentemente de provocação (súmula mencionada também deixa claro que o mero decurso do tempo gera a prescrição, mesmo sem despacho judicial expresso reconhecendo-a).

É possível que entre a distribuição da execução (2020, p. ex.) e a efetiva citação do devedor (2022) tenha havido uma longa demora, ou que após certas diligências o processo tenha ficado paralisado. A exceção de pré-executividade apontou expressamente a prescrição intercorrente, o que leva o julgador a verificar os autos: se confirmada a inércia acima do tolerado, impõe-se também a extinção. Ressalte-se que, recentemente, o Código de Processo Civil de 2015 reforçou esses prazos (art. 921, §§1º a 4º, aplicáveis subsidiariamente), e o Supremo Tribunal Federal conferiu contornos constitucionais à matéria, exigindo o respeito ao contraditório antes de se declarar a prescrição intercorrente (Tema 897/STF). De todo modo, numa análise técnica, prescrição inicial e intercorrente configuram causas de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, V) e, portanto, do processo executivo, desde que provadas de plano na exceção (matéria de ordem pública cognoscível de ofício, conforme Súmula 393/STJ).

Decadência do Crédito Tributário

Distinta da prescrição, embora muitas vezes mencionada em conjunto, é a decadência tributária, matéria igualmente arguida em boa parte de uma defesa. A decadência refere-se ao prazo para a constituição do crédito tributário pelo Fisco. Em outras palavras, é o prazo que a Fazenda Pública tem, a partir do fato gerador, para efetuar o lançamento tributário (seja de ofício ou por homologação). Expirado esse prazo sem que o crédito tenha sido regularmente constituído, ocorre a extinção do direito de lançar, nos termos do art. 173 do CTN.

O Código Tributário Nacional estabelece duas regras gerais de decadência: (i) para tributos cujo lançamento depende de declaração do contribuinte (lançamento por homologação, casos em que o contribuinte antecipa o pagamento), o prazo decadencial é de 5 anos a contar do fato gerador, nos termos do art. 150, §4º, do CTN; (ii) para tributos de lançamento de ofício (ou nos casos de omissão de declaração no lançamento por homologação), aplica-se o prazo de 5 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, conforme art. 173, I, do CTN[2]. Em síntese, se um fato gerador ocorre em 2015 e o contribuinte não paga nem declara o tributo, o Fisco tem até 31/12/2020 para lançar de ofício (regra do art. 173, I). Se perder esse prazo, sobrevém a decadência, que fulmina o crédito na origem.

Numa execução fiscal, é comum a alegação é de que não ficou comprovada a constituição regular do crédito dentro do quinquênio legal. Isso pode significar, por exemplo, que o município não expediu notificação de lançamento no prazo de 5 anos após o fato gerador do ISS supostamente devido pela empresa. Se de fato o lançamento ocorreu tardiamente (após o prazo decadencial), o crédito tributário é inexigível, por falta de um requisito material válido: a constituição tempestiva. Os efeitos práticos se assemelham aos da prescrição: o Judiciário não pode dar guarida a uma cobrança de tributo cuja exigibilidade pereceu pelo decurso do tempo fixado em lei.

Importa frisar que decadência em matéria tributária é questão de ordem pública e pode (deve) ser reconhecida de ofício pelo juiz, inclusive em sede de exceção de pré-executividade. O próprio STJ, em recursos repetitivos, firmou teses sobre decadência do ISS e de outros tributos, como na Súmula 555/STJ (que esclarece a contagem do prazo decadencial no caso de tributo não declarado)[4]. Assim, o advogado do executado deve agir corretamente ao suscitar a decadência: caso fique demonstrado que o lançamento extrapolou o quinquênio legal (seja pelo hiato entre o fato imponível e a inscrição em dívida ativa, seja pela falta de ato validamente notificado dentro do prazo); e o juiz declarará extinto o crédito tributário por decadência, nos termos do art. 156, V, do CTN, levando ao consequente julgamento de procedência da exceção e extinção da execução fiscal.

Nulidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA)

Avançando no elenco de teses, adentra-se o campo da nulidade da CDA, que é o título executivo que aparelha a execução fiscal. A Certidão da Dívida Ativa é um documento emitido pela Fazenda Pública que goza de presunção de liquidez, certeza e exigibilidade (art. 3º da Lei 6.830/80 e art. 204 do CTN). Contudo, tal presunção depende intrinsecamente de a CDA conter todos os requisitos legais obrigatórios. O art. 202 do CTN enumera os elementos que devem constar no termo de inscrição da dívida ativa (e, portanto, na CDA): (i) o nome do devedor e dos corresponsáveis, e seu domicílio sempre que possível; (ii) o valor originário do crédito, bem como a forma de cálculo dos juros de mora e demais encargos; (iii) a origem, natureza e fundamento legal do crédito (com a disposição de lei em que se funda); (iv) a data da inscrição em dívida ativa; (v) o número do processo administrativo de origem, se houver; além disso, o parágrafo único do mesmo art. 202 exige a indicação do livro e folha da inscrição. A Lei de Execução Fiscal, em seu art. 2º, §5º, reforça essas exigências e acrescenta que a omissão de qualquer requisito essencial torna nula a inscrição e a CDA, salvo se a falta puder ser sanada (art. 2º, §8º da LEF). Em suma, a CDA deve pintar um quadro completo da dívida, de modo que o devedor saiba exatamente o quê está sendo cobrado e por quê, sob pena de não se legitimar como título executivo.

Na exceção de pré-executividade, deve-se sustentar que a CDA é nula por não atender a esses requisitos, possivelmente por faltar informação sobre a origem exata do débito, o período a que se refere ou o cálculo dos acréscimos. De fato, jurisprudência do STJ é remansosa ao reconhecer nulidades de CDA quando a falta de detalhamento compromete a defesa do executado. Por exemplo, CDA que agrega vários exercícios tributários sem discriminar o principal e os encargos de cada ano é considerada inválida, porque dificulta ao devedor compreender a composição do valor e eventualmente impugná-lo.

Afinal, sem título executivo válido, não há processo executivo que subsista (CPC, art. 803, I). Vale lembrar ainda a Súmula 392 do STJ, a qual veda certas manobras de correção tardia: “A Fazenda Pública pode substituir a CDA até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”. Esse enunciado (que abordaremos novamente adiante) mostra que, embora erros formais possam ser corrigidos dentro de certo prazo, erros substanciais ou mudanças de lançamento não são admitidos, logo, uma CDA fundamentalmente defeituosa não pode ser convalidada, impondo a extinção do feito executivo.

Em síntese, a tese da nulidade da CDA é uma das mais poderosas na defesa em execuções fiscais, pois ataca diretamente a existência de título hábil. Se acolhida, o processo se extingue ipso facto, independentemente de outras discussões. Para a Fazenda evitar isso, deve ter rigor na confecção das CDAs, incluindo todos os campos obrigatórios e descriminando claramente os débitos. No nosso caso, cabe ao magistrado conferir a certidão anexada e verificar se ela atende aos requisitos legais; em caso negativo, a exceção deverá ser julgada procedente por esse fundamento.

Ausência de Notificação do Lançamento

A próxima tese sustentada, a ausência de notificação do lançamento tributário, relaciona-se tanto ao direito material quanto ao respeito ao devido processo legal na esfera administrativa. No direito tributário brasileiro, vigora a premissa de que o contribuinte tem direito à prévia notificação de qualquer lançamento de ofício que lhe imponha obrigação tributária, para que possa exercer defesa ou pagar espontaneamente antes da inscrição em dívida ativa. A notificação regular do lançamento (por meio de auto de infração, notificação de lançamento, ou mesmo envio de carnê no caso de IPTU) é condição de validade do crédito. Sua falta implica nulidade do lançamento e, consequentemente, nulidade da CDA dele decorrente.

Na prática, essa alegação demanda que a Fazenda Pública comprove que notificou sim o contribuinte, por exemplo, exibindo o AR dos Correios assinado, o edital público (se for o caso) ou outro comprovante de intimação. Caso não haja tal comprovação nos autos (e muitas vezes, de fato, execuções fiscais vêm desacompanhadas do processo administrativo completo), prevalece a palavra do executado quanto à falta de notificação, invertendo-se a presunção de legitimidade do ato administrativo. Vale lembrar que a Súmula 393 do STJ, ao admitir a exceção de pré-executividade, cita expressamente a “nulidade da CDA por falta de notificação do processo administrativo” como matéria suscetível de conhecimento de ofício, ou seja, é pacífico que a falta de notificação integra o rol de vícios que podem ser analisados diretamente pelo Judiciário sem necessidade de embargos (porque independe de dilação probatória complexa: ou há comprovação documental da notificação, ou não há).

Portanto, se ficar evidenciado que a empresa não foi regularmente notificada do lançamento do ISS (por exemplo, se a prefeitura inscreveu o débito direto em dívida ativa sem lavrar auto de infração ou sem entregar notificação ao contribuinte), a consequência jurídica será a declaração de nulidade do lançamento tributário. Com isso, a CDA perde suporte, devendo ser cancelada. Em tal hipótese, a execução fiscal será extinta, pois cobra crédito inexistente ou constituído sem processo válido. Essa tese reforça a importância de os entes fazendários observarem o rito administrativo: a sanha arrecadatória não pode atropelar garantias básicas, sob pena de todo o trabalho ruir, tal qual uma torre construída sem alicerces firmes, destinada a desabar.

Ilegitimidade Ativa e Passiva

Ilegitimidade ativa em execuções fiscais ocorre, por exemplo, se quem ajuizou a execução não é o titular do crédito tributário. Seria hipótese de ilegitimidade ativa, por exemplo, se um ente indevido estivesse cobrando: imaginemos que o tributo fosse de competência estadual ou federal e, mesmo assim, o Município tentasse executar, evidente nulidade. Outra situação é quando o ente competente delega a cobrança a terceiro sem previsão legal.

Já a ilegitimidade passiva do executado é uma das teses mais concretas nos casos de execução fiscal: a empresa pode alegar que não é a devedora legítima tributo cobrado. E qual a razão? trata-se de hipótese de substituição tributária, de modo que o responsável legal pelo recolhimento do tributo seria o tomador do serviço, não o prestador (neste caso, a título exemplificativo, de ISS). Em linguagem simples, pode argumentar: “Eu prestei serviços para outra empresa/ente; a lei do ISS determina que quem deveria recolher o imposto era o contratante (tomador) e não eu, prestador; logo, eu (empresa) não poderia estar sendo cobrada diretamente, pois não sou o sujeito passivo da obrigação tributária.”

Por fim, mencione-se também a possível ilegitimidade ativa sob prisma territorial: embora seja mais adequado tratar no tópico seguinte, cabe aqui lembrar que legitimidade ativa e competência territorial às vezes se confundem em execuções fiscais envolvendo mais de um ente federativo. O STF recentemente decidiu no Tema 1028 de Repercussão Geral que a execução fiscal deve tramitar dentro do território do ente federativo credor ou no local do fato gerador, não fora dele[5]. Assim, um Estado ou Município não “legitima” cobrar sua dívida em juízo de outra unidade da Federação.

Em suma, as teses de ilegitimidade das partes buscam verificar se a relação processual está adequada: credor certo cobrando de devedor certo. Quando há erro em qualquer polo, a execução não prossegue.

Incompetência Territorial do Juízo

Uma exceção de pré-executividade pode suscitar, também, a incompetência territorial para processamento da execução fiscal. Essa questão decorre da interpretação das regras de competência para execuções fiscais após o advento do CPC/2015 e da harmonização com os princípios federativos.

O CPC de 2015, no art. 46, §5º, estipulou que, “na execução fiscal, a ação será proposta no foro do domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”. À primeira vista, essa norma indicaria que o ente público poderia ajuizar a execução no foro de domicílio do devedor. Com base nisso, algumas empresas passaram a alegar incompetência territorial quando eram executadas fora de seu domicílio. Em outras palavras, a execução fiscal de um Estado ou Município não pode ser processada fora do território desse próprio Estado ou Município (salvo se for no local do fato gerador, quando este ocorrer em outra unidade dentro do mesmo ente, o que, para municípios, não se aplica além de seus limites). Por exemplo, um município baiano executar em Santa Catarina violaria a autonomia federativa e geraria desequilíbrio (já que o município credor não dispõe de procuradorias fora de seu território).

Assim, a tendência hoje é entender que o foro competente é sempre o do ente público, limitado à sua área de jurisdição. De fato, o STF reafirmou que execuções fiscais estaduais devem ocorrer no Estado credor, e analogicamente, execuções municipais no Estado daquele município (visto que municípios não possuem jurisdição própria distinta do Estado)[5][6].

Dessa forma, a alegação de incompetência territorial só prosperaria se, por absurdo, a execução tivesse sido ajuizada em foro diverso.

Irregularidades Processuais

Uma irregularidade processual relevante seria, por exemplo, vício na citação do executado. A citação é pressuposta de validade do processo; se não for feita ou for nula (ex: editalícia sem esgotar buscas do réu, ou feita em endereço errado.

Outra irregularidade comum é a falta de documentos essenciais na inicial. A Lei 6.830/80 exige que a inicial venha instruída com a CDA (título executivo) e com a prova da constituição do crédito, quando for o caso. Se a Fazenda ajuíza execução sem anexar a CDA ou com CDA sem assinatura da autoridade competente, há nulidade. A exceção poderia apontar isso, mas, pelo que temos, uma CDA existe (embora questionada quanto ao conteúdo).

Poderíamos pensar também em descumprimento de alguma formalidade do procedimento executivo: por exemplo, desrespeito a alguma ordem de preferência de penhora, lançamento equivocado de custas, ou inobservância de eventual suspensão por parcelamento. São questões mais casuísticas. A petição da exceção menciona “irregularidades processuais” possivelmente para abranger qualquer detalhe que o juiz possa ter identificado e que a defesa queira ver reconhecido.

De todo modo, como tese autônoma, irregularidade processual somente levaria à extinção da execução se configurasse nulidade insanável. Caso contrário, seria passível de correção (princípio do pas de nullité sans grief). Por exemplo, se faltou intimação do MP quando exigido ou se houve erro na numeração do processo, isso não necessariamente acaba com a execução, corrige-se e segue. Portanto, dentro do arsenal defensivo, essa é talvez a frente menos determinante, servindo mais como complemento para reforçar a ideia de múltiplos vícios (na metáfora da Hidra, seria uma das cabeças menores).

O importante é que o juiz, ao julgar a exceção, verificará se algum procedimento essencial deixou de ser observado. Se sim, e se isso causou prejuízo à defesa do executado, poderá anular os atos praticados a partir do ponto viciado. Em casos extremos, poderia invalidar toda a execução (por exemplo, se se conclui que a distribuição foi feita em foro absolutamente incompetente sem que ninguém percebesse por anos, hipótese rara). No processo em questão, não temos indícios claros dessas irregularidades específicas, além das já exploradas (notificação, citação etc.). Assim, este tópico se mantém como um guarda-chuva genérico lembrando que o devido processo legal deve ser observado em cada etapa, sob pena de nulidade.

Excesso de Execução (Multas e Juros Abusivos)

Em matéria tributária, a Constituição veda que tributos (ou multas tributárias) tenham efeito de confisco. Isso significa que multas exorbitantes, que praticamente tomam patrimônio excessivo do contribuinte, podem ser declaradas inconstitucionais caso a caso. Nos últimos anos, o STF fixou parâmetros quanto a isso. Em 2024, no julgamento do Tema 863, o Supremo entendeu que a multa fiscal qualificada (por fraude ou sonegação) deve ser limitada a 100% do valor do tributo, podendo chegar a 150% somente em casos de reincidência[7]. Ou seja, mesmo em hipóteses gravíssimas de dolo do contribuinte, a multa não pode exceder uma vez (ou uma vez e meia, no máximo) o valor do imposto devido, acima disso seria confiscatório. Para multas moratórias (atraso no pagamento) e multas isoladas (por descumprimento de obrigações acessórias), discutem-se percentuais menores.

Em suma, a tese do excesso de execução não extinguiria a execução fiscal inteira (a não ser que o excesso seja tão grande que, ao expurgá-lo, nada mais reste do valor, caso raro), mas levaria à redução do montante executado aos limites da legalidade. É uma espécie de vitória parcial para o executado: garantir que pagará somente o justo. Entretanto, aqui, é viável notar a percepção de que invocar o não confisco faz parte de uma estratégia de “cintura e suspensórios”, ou seja, se por algum motivo nenhuma nulidade ou extinção total fosse reconhecida, ao menos teriam um fundamento para minorar a condenação. Como dizem, “o ótimo não sendo possível, busca-se o bom”: se não extinguir a execução, que se corte o excesso de gorduras. Tecnicamente, seria possível o magistrado acolher essa tese subsidiária, reconhecendo o excesso, sem extinguir a execução (apenas limitando valores). Mas, em sede de exceção de pré-executividade, muitos juízes entendem que só cabem matérias que levam à extinção total. De toda forma, é uma tese relevante, com fundamento constitucional forte, e atualíssima diante dos precedentes do STF que fixaram balizas objetivas para multas tributárias (100%, 150%, 60%, etc., conforme o caso)[7].

Impossibilidade de Substituição da CDA

Conforme mencionamos anteriormente, a Lei de Execução Fiscal (art. 2º, §8º) permite que até a decisão de primeira instância (isto é, até sentença nos embargos) a Fazenda possa emendar ou substituir a CDA, assegurado ao executado reinício do prazo de embargos. Contudo, a jurisprudência do STJ delimitou o alcance dessa permissão: só é possível a substituição para corrigir erro material ou formal, não para alterar elementos essenciais do lançamento, muito menos o sujeito passivo. A Súmula 392 do STJ resumiu assim: “A Fazenda Pública pode substituir a CDA até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”. Ou seja, se a CDA tiver um erro de cálculo, um número de processo errado, uma referência legal trocada, pode-se corrigir dentro do prazo. Mas se o defeito for mais grave, como indicar a pessoa errada como devedora (sujeito passivo) ou faltar requisito essencial (o que torna a CDA nula), aí não se trata de simples erro material: a substituição equivaleria a emitir novo título com base em lançamento novo, o que não é admitido, especialmente após a propositura da execução e eventual consumação de prazos decadenciais/prescricionais.

A Fazenda poderia requerer oportunidade para substituir a CDA? Em teoria, sim, antes da sentença. Mas para quê? Se for para incluir informação faltante, só faria sentido se não houvesse nulidade de fundo. Se for para alterar sujeito passivo ou valor, esbarraria na súmula.

Portanto, essa tese atua como um “cheque-mate”: visa impedir que, mesmo diante de reconhecimento judicial de alguma falha, a execução ganhe sobrevida artificial por meio de emenda do título. A jurisprudência ampara essa postura restritiva: por exemplo, o STJ já decidiu ser inviável substituir CDA que necessite alterar o lançamento em si (não apenas corrigir forma). E se a CDA for declarada nula por sentença com trânsito em julgado, forma-se coisa julgada material que impede nova cobrança daquele crédito (não haveria possibilidade de “emendar” após sentença transitada, como reforça a Súmula 392).

Portanto, é uma conclusão lógica do arsenal defensivo: vencidas todas as cabeças da Hydra, não se admite que surjam novas, o monstro (execução viciada) deve perecer por completo.

Conclusão

Conforme analisado, cada uma das teses levantadas – (i) gratuidade de justiça para pessoa jurídica hipossuficiente; (ii) prescrição do crédito e prescrição intercorrente; (iii) decadência do direito de lançar; (iv) nulidade da CDA por vícios formais/materiais; (v) falta de notificação do lançamento; (vi) ilegitimidade das partes (especialmente passiva, no caso, por substituição tributária indevida); (vii) incompetência territorial; (viii) eventuais irregularidades processuais; (ix) excesso de execução por encargos confiscatórios; e (x) impossibilidade de revalidar a CDA, funciona como pilar autônomo de defesa do executado em sede de exceção de pré-executividade. Todas elas são matérias de ordem pública, cognoscíveis de ofício, conforme a súmula 393 do STJ, portanto adequadas para serem apreciadas sem necessidade de esperar embargos.

O objetivo central dessa estratégia multifacetada é demonstrar “a absoluta inviabilidade da cobrança”. Em outras palavras, convencer o Judiciário de que a execução fiscal não poderia prosseguir senão à custa de violar a lei ou a Constituição, motivo pelo qual deve ser extinta. Trata-se de uma verdadeira Hidra tributária” enfrentada pelo devedor: diversas cabeças (questões) surgem para ameaçar a validade do procedimento executivo. Mas, tal qual o herói Hércules no mito antigo, ou o arquiteto que identifica as falhas estruturais na Torre de Babel antes que esta desabe, o operador do direito munido de conhecimento técnico pode dominar o monstro. Basta cortar cada cabeça com a espada da lei: reconhecer a prescrição, fulminar a decadência, decapitar a CDA nula, extinguir o que nasceu sem notificação, aparar os excessos confiscatórios, e assim por diante, até restabelecer a justiça.

Não há dívidas fiscais impagáveis ou procedimentos inexoráveis: há o Direito, com suas regras e limites, e dentro dele todos, Fisco e contribuinte, devem conviver.

Referências:

i. Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), arts. 150 §4º, 173 I, 174 e 202[2][1];

ii. Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), arts. 2º §5º e §8º, 8º, 40 §§1º-4º;

iii. Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), arts. 46 §5º, 803, 921 §§1º-4º, 914 §1º (embargos) e 917 (excesso de execução);

iv. Súmulas do STJ citadas: 393 (exceção de pré-executividade); 314 (prescrição intercorrente); 481 (justiça gratuita para pessoa jurídica); 392 (substituição da CDA); 555 (decadência tributos por homologação)[4];

v. Jurisprudência: STF, Tema 1028 RG (ARE 132757 – competência territorial em execuções fiscais)[5]; STF, Tema 863 RG (RE 736090 – limite de multas tributárias, não confisco)[7]; TRF-1, Apelação 0032195-96.2015.4.01.9199 (ausência de notificação do lançamento, nula a dívida); STJ, EREsp 904475/RS e Resp 750248/BA (nulidade de CDA por falta de discriminação de exercícios); dentre outros arestos citados ao longo do texto.

 

[1] L5172COMPILADO - Planalto

[2] [3] [4] A súmula 555 do STJ sobre decadência tributária e sua correta ...- Migalhas

[5] [6] STF: Foro de execução fiscal deve ser no território do ente federativo - Migalhas

[7] Tema 863: STF e limitação do patamar da multa punitiva qualificada - Migalhas

 


 
 
 

Comentários


bottom of page