Do Xingu à Transamazônica: Pequenas Histórias de Resistência
- Lucas Rezende
- 15 de ago.
- 2 min de leitura

No filme Xingu, de Cao Hamburger, a câmera acompanha os irmãos Villas-Bôas tentando proteger um território que parecia longe de tudo, mas estava no caminho de uma mudança que não pediu licença. É impossível assistir sem pensar em outras formas de resistência que a Amazônia abriga, menos conhecidas e silenciosas.
Ao longo da Transamazônica, não faltam placas enferrujadas de obras inacabadas, vilas que nasceram na beira da estrada e, no meio delas, pequenas propriedades e microempresas rurais que sobrevivem mais pela teimosia dos seus donos do que pelo apoio que recebem. No verão, o vento levanta poeira que entra em cada fresta; no inverno, a lama engole pneus. Entre um extremo e outro, há vendas de rações, pequenas mercearias, agricultores familiares.
Essas empresas não têm sala envidraçada nem departamento jurídico. Muitas vezes, é a própria dona que atende no balcão, controla o estoque e dirige horas para buscar mercadoria. É gente que já acorda com a planilha na cabeça, mas sem garantias de que o banco vai respeitar o que foi combinado. Às vezes, o que chega é um desconto automático que ninguém autorizou, um contrato que não foi lido, ou uma taxa que esvazia o lucro de um mês inteiro.
Não estou comparando aldeias indígenas a negócios rurais. São histórias diferentes. Mas as duas enfrentam uma mesma lógica: a de quem impõe regras de fora para dentro, sem ouvir quem vive no território. No Xingu, isso veio com tratores e cercas. Aqui, pode vir numa notificação bancária, mas o efeito final é o mesmo. O chão fica mais difícil de manter.
As microempresas rurais da Amazônia não destroem a floresta. Ao contrário, dependem dela para existir. Mantêm o equilíbrio entre produção e conservação, preservando o território que garante água, solo e clima para que continuem trabalhando. Defender essas empresas é, de certa forma, defender o tecido que mantém a vida no interior amazônico. É manter a venda que abastece o vilarejo, o pequeno produtor que fornece ovos e farinha, a oficina que conserta o único trator da comunidade. É garantir que a estrada, com toda a sua dureza, seja também caminho de ida e volta, e não via de escoamento do que resta.
A Transamazônica sempre foi vendida como promessa. Hoje, quem vive às suas margens sabe que a promessa real é outra. A de que, apesar de tudo, quem quer ficar vai continuar lutando. O Direito, nesse cenário, é mais que papel timbrado. É a chance de equilibrar uma disputa desigual e dar fôlego a quem sustenta a vida onde o mapa mostra apenas um traço.
Recomendo o filme para melhor compreensão da realidade das pessoas que vivem no interior da Amazônia paraense.
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