Dalí, o Direito e o Tempo: entre a Arte de Esperar e o Dever de Agir
- Lucas Rezende
- 16 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 7 de ago.
Ao longo de minha trajetória na advocacia, aprendi que o tempo no universo jurídico segue uma lógica peculiar. Um outro tempo. Um tempo fora do convencional.
Lembro-me da primeira vez que contemplei a pintura A Persistência da Memória, de Salvador Dalí, na aula de psicologia durante a graduação, na qual relógios parecem derreter sob um sol onírico. Aquela imagem surreal me marcou profundamente e, com o passar dos anos, percebi que esses relógios moles são uma metáfora poderosa da relatividade do tempo.
Enquanto o mundo corporativo vive em ritmo comercial, marcado pelo expediente das 8h às 18h, o tempo do Direito desobedece a tais fronteiras rígidas. Processos judiciais têm seu próprio compasso: às vezes vagaroso e silencioso, outras vezes urgente e inexorável.
Um despacho pode tardar meses, ao passo que uma liminar de urgência pode ser concedida na calada da noite por um magistrado de plantão. Essa dualidade temporal exige de nós, profissionais do Direito, uma sensibilidade apurada. Ler nas entrelinhas do processo quando é hora de aguardar com paciência respeitosa, e quando é momento de agir com presteza cirúrgica, são capacidades fundamentais para o bom desempenho do ofício da advocacia.
Desenvolver essa sensibilidade não é tarefa simples. Aprendi que “o Direito não socorre aos que dormem”, mas também que a pressa desmedida pode comprometer a justiça e equilibrar celeridade e prudência tornou-se parte essencial do ofício e conseguir trabalhar com o tempo foi uma das minhas maiores conquistas.
Além da sensibilidade, é preciso dominar a técnica para operar dentro dessa temporalidade específica. Um advogado eficiente deve saber planejar estrategicamente suas ações dentro dos prazos, aproveitando cada minuto útil sem atropelos.
Em última instância, lidar com o tempo no Direito é uma arte que combina paciência e persistência. Cada vitória judicial, por mais tardia que pareça, traz em si a lição de que a justiça tem seu próprio ritmo e cabe a nós harmonizar nosso compasso a esse ritmo, apesar de que, ainda que se reconheça o desfecho formal do processo, é impossível afirmar que houve justiça para as partes em uma demanda que se arrastou por 15 anos.
Assim como na obra de Dalí, o tempo derretido não desaparece. Se redefine em novas formas e o advogado não deve ver o tempo de espera como tempo perdido, e sim como parte orgânica do fazer jurídico. É preciso saber lidar com essa relatividade.
Com sensibilidade, técnica apurada e um olhar atento para os relógios derretidos do Direito, seguimos dominando o tempo, em vez de sermos dominados por ele.
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